Eleições Diretas ou Indiretas em Campinas sob o enfoque do Direito Eleitoral

 

Primeiramente, o Canal Campinas agradece ao Dr. Guilherme Pessoa Franco de Camargo pela publicação colocada a disposição, que, aborda de forma brilhante os aspectos jurídicos que envolvem toda a situação. O artigo, com certeza, ajudará os leitores a compreenderem detalhadamente o debate sobre a realização de eleições diretas ou indiretas em Campinas; o que é muito valioso, pois, até então, a população pouco teve acesso a informações concisas e técnicas sobre a viabilidade da realização de uma das alternativas. Valendo agradecer também ao nobre jurista por dedicar parte do seu concorrido tempo para elaboração do reluzente artigo de utilidade cívica.

 

* Por Guilherme Pessoa Franco de Camargo

 

O processo eleitoral em Campinas tem sido marcado pela discussão sobre a possibilidade ou não da eleição indireta ao cargo de prefeito no final do segundo biênio da administração da coligação PDT & PT.

Isto se deve as cassações ocorridas em 2011, do até então prefeito Dr. Hélio de Oliveira Santos (PDT) em seu segundo mandato e, de seu amigo de infância e vice-prefeito Demétrio Vilagra (PT). Atualmente, o cargo tem sido ocupado pelo ex- presidente da câmara, Dr. Pedro Serafim Junior (PDT), no que muitos tem chamado de “mandato-tampão”.

Para se entender melhor o que ocorre em Campinas devemos lembrar que no Brasil, o processo eleitoral é dividido basicamente em dois modelos, a eleição direta onde os candidatos políticos regularmente inscritos são eleitos diretamente pelo povo, sendo que tal formato é o que aponta para a democracia representativa. Já no segundo caso, as eleições indiretas são aquelas onde os mandatários políticos não são eleitos diretamente pelo povo, mas indiretamente por um grupo eleitoral (assembléia, congresso ou colégio eleitoral) composto por representantes do povo.

 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 81, §1º, assim definiu a forma de eleição nos casos presidenciais:

 

"Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

"§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei."

"§ 2º - Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores”

 

Em abono da verdade, boa parte da problemática sobre o tipo de eleição em Campinas reside na apuração o momento em que ocorreram as vacâncias, isto porque o lapso temporal da dupla vacância ou dúplice vacância, ocorreu justamente ao final do mandato, sendo o último deles cassado em dezembro de 2011. A dupla vaga a chefia e vice-chefia do Poder Executivo ocorreu por condenação em ação de improbidade administrativa transitada em julgado, condenação em processo de impedimento (impeachment).

 

No âmbito estadual, o STF já se posicionou no sentido da não aplicação do princípio da simetria entre os entes federativos, vide acórdão relacionado a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 1057-3 BA. Contudo, os Tribunais tem divergido sobre a aplicabilidade da simetria, em caso de omissão legislativa, tal qual ocorre na Lei Orgânica de Campinas - LOM.

 

Os Estados apresentam soluções diversas para a questão, ora com eleições indiretas a qualquer tempo, ora com limites ao penúltimo ano eleitoral.

 

O Distrito Federal também tem ou pelo menos deveria ter, autonomia para deliberar sobre a questão, estabelecendo que ocorrerá a eleição indireta se a vacância ocorrer no último ano do período governamental.

 

A esfera Municipal, objeto principal do artigo, assim como as demais, não deveria ser escravizada pela necessidade de observância ao artigo 81 da Constituição Federal de 1988, pela própria observância do princípio da legalidade e a preservação da independência de poderes, sem contar o sufrágio universal.

 

Quando ocorreu a dupla vacância em Campinas, a Lei Eleitoral determinava que caberia ao Presidente da Câmara Municipal, na época Pedro Serafim Junior, o exercício provisório do cargo de Prefeito, até que seja eleito um novo titular. A mesa da Câmara foi igualmente renovada, assumindo Thiago Ferrari.

 

O quarto ente federativo, apesar de sua autonomia, deve em sua Lei Orgânica do Município - LOM, obediência aos princípios gerais da Constituição Federal e do respectivo Estado, nos moldes estabelecidos no artigo 29 da CF.

 

No caso campineiro, assim como ocorre em inúmeros outros municípios, a LOM nada versa sobe a dupla vacância, sendo um dos principais problemas a realização da eleição indireta, não sendo sem razão a corrida do atual presidente da câmara em tentar regularizar,de forma equivocada e juridicamente irregular, a matéria na cidade.

 

Roga-se que o processo eleitoral sucessório do Chefe do Poder Executivo seja simplificado, transparente e o menos oneroso possível aos cofres públicos. A eleição indireta deve ser sempre o último recurso da administração pública, o álamo para que se retorne a normalidade da administração da prefeitura sem a afetação da soberania popular.

 

 

No dia 02 de fevereiro de 2011, o juiz Flávio Yarshell, do Tribunal Regional Eleitoral e São Paulo – TRE-SP, suspendeu a realização de eleições indiretas em Campinas, a fim de cobrir o mandato-tampão até o final de 2012. A eleição indireta seria estava prevista para ocorrer em 22 e março de 2012, com regras definidas recentemente pela Câmara Municipal, através de ato interno, com validade igualmente jurídica questionável.

 

A suspensão liminar, sem objeção recursal pela Procuradoria da Câmara deu-se para evitar transtornos e gastos financeiros ainda maiores aos cofres públicos.

 

Outro argumento para a realização das eleições indiretas na cidade reside justamente na economia aos cofres públicos já tão dilapidados em 2011, a despeito do fundo orçamentário ser patrocinado pela esfera federal que finalisticamente advém dos próprios cidadãos:”... entendo que não é razoável movimentar toda a máquina pública, [...] a fim de se eleger prefeito para mandato tão breve. A melhor solução para a presente conjuntura é a realização de eleição indireta” (fls. 6-7).(Ac. de 11.9.2008 no AgRgREspe nº 28.194, rel. Min. Joaquim Barbosa.)(grifado) noutro acórdão  “.... Em face dessa circunstância, reforça-se o entendimento quanto à necessidade de eleição indireta, considerando-se que isso evitaria a movimentação da Justiça Eleitoral, além do que, caso realizado, acontecerá na iminência do período das convenções partidárias das eleições de 2008, que ocorre no período de 10 a 30 de junho (art. 8º da Lei n  9.504/97).(Ac. de 17.4.2008 no AgRgMC nº 2.303, rel. Min. Caputo bastos.)

 

Na consonância a esse entendimento, o TSE já levou em consideração para a decisão além do biênio em que se encontrava os mandatos dos cassados é o valor pecuniário para a realização de novas eleições diretas. As enormes somas envolvidas para a realização de nova eleição podem chegar a R$ 2 milhões de reais.

 

Nesse sentido, já se decidiu pela obrigatoriedade da simetria, anulando a autonomia do município sobre o tema: Ac. de 26.6.2008 no MS nº 3.643, rel. Min. Marcelo Ribeiro e Ac. de 17.4.2008 no AgRgREspe nº 27.104, rel. Min. Marcelo Ribeiro.

 

Outros precedentes autorizativos da eleição indireta à ordem do art. 81, §1º da Constituição Federal, pela simetria e consideração que ocorreram no final do segundo biênio do mandato: RESP n.º 27.737/2007, RESP n.º 21.308/2003, AG n.º 4.396/2003, AGRGMS n.º 3.141/2003, MS 3643 PE) 

 

 

Uma das esperanças daqueles que militam no sentido da eleição direta, estaria na impossibilidade do TRE deliberar sobre a forma e regulamentação da matéria, mas assim como na RCL n.º 256/04, tal medida usurparia a competência do Tribunal e a independência dos poderes:

 

 

“Mandado de segurança. Eleição indireta para os cargos de prefeito e vice-prefeito. Regulamentação pelo Tribunal Regional Eleitoral. Usurpação de competência do Poder Legislativo Municipal. Concessão da segurança para cassar a Resolução-TRE/PA nº 3.549.” (Ac. de 6.4.2004 no MS nº 3.163, rel. Min. Ellen Gracie) 

 

 

Os 33 vereadores aguardam a decisão do TRE para deliberarem sobre a eleição indireta, que segundo decisão do juiz Augusto Bernardes depende de matéria cuja competência é dos tribunais e não do juiz de primeira instância. O combativo advogado Pedro Benedito Maciel Neto, do partido PCdoB, ainda destaca que além da necessidade da realização da eleição direta deveria ter ocorrido um questionamento prévio na justiça pela Câmara: “Caso o TRE decida que as eleições em Campinas devem mesmo ser indiretas, contrariando a jurisprudência majoritária  do TSE e do STF (Supremo Tribunal Federal), o PCdoB irá ao TSE para garantir que a soberania popular que decorre do voto direto seja respeitada”(Artigo - Decisão sobre eleição direta cabe ao TRE,  publicada em 24/01/2012)

 

Existem concepções teóricas incompatíveis com a coerência sistemática do ordenamento jurídico, sendo uma delas a que reconhece o direito a aplicação da simetria em detrimento a autonomia do município. A Constituição Federal também determinou como competência ratione materiae privativa da União para legislar sob direito eleitoral (CF, art. 22, I). A exceção a regra foi vista claramente na ditadura e atualmente de forma perigosa em alguns acórdãos.

 

O voto direto é cláusula pétrea (art. 60, §4º, II, CF), não podendo ser abolido da Constituição ou relativizado por norma infraconstitucional. A única exceção ao texto constitucional é o art. 81 do mesmo diploma legal. Mas o STF se posicionou no sentido da não obrigatoriedade da vinculação dos Estados, Distrito Federal e Municípios a regra reservada a presidência e vice presidência da República.

 

A votação aberta, direta deveria prevalecer, sobretudo quando existe suspeita ou risco de acordos obscuros nos bastidores. O princípio da publicidade, do sufrágio universal e da soberania popular deveriam ser preservados, como elemento primacial de tutela do cidadão enquanto eleitor. O princípio da legalidade, a preservação da independência de poderes e a sistemática de interpretação normativa também são elementos que depõem a favor das eleições diretas, notadamente pela ausência de regulamentação na esfera municipal, vez que o ato açodado do atual presidente da Câmara não tem o condão de mitigar o interesse das demandas da oposição ou suplantar a ausência normativa na LOM.

 

É necessário sopesar o gradiente econômico favorável à realização da eleição indireta, a movimentação de toda a engrenagem da máquina eleitoral em tão pouco tempo e a custas do erário, mas como já disse um advogado campineiro certa vez, quem paga a conta é a democracia. Contudo, os Tribunais Superiores tem dado mostras que a proximidade do final do segundo biênio, a necessidade do rearranjo do Poder Executivo e a proteção a governabilidade prevalecem para a concessão da eleição indireta em detrimento a direta. Numa cidade desacreditada, a melhor saída será aquela que trouxer governabilidade e rapidez na retomada da administração engessada desde o final de 2010.

 

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Fontes:

Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo

Tribunal Superior Eleitoral

 

 

Guilherme Pessoa Franco de Camargo é advogado do escritório Pereira, Camargo & Lara – Advogados Associados, atuante nas áreas de Direito Empresarial e Eleitoral em Campinas e região.

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